domingo, 21 de dezembro de 2014

ESPANTANDO MEUS FANTASMAS - LEMBRANÇAS

Rua 24 de Maio
Eu tinha duas tias avós que moravam na 24 de maio. A Nanan (Maria Matos) e a Titis (Beatriz Matos). Com elas morava meu avô materno, o Papí (Leopoldo matos). E eu curtia passar as ferias na casa delas.
Era uma casa rente a calçada, como antigamente eram as casas, com dois janelões que abriam para balaustres de ferro fundido e uma porta principal que dava para de um pequeno hall de entrada . Neste hall meu avô ficava horas a se balançar na sua cadeira de vime, quando não estava na calçada oferecendo bom-bom para as estudantes que passavam. Ele era viúvo. Minha avó Marinha morreu quando minha tia Helena nasceu. Ele nunca casou novamente, talvez porque não queria abandonar o convívio da irmãs que certamente eram seu porto seguro. Mas isso não impedia que tivesse vários filhos espalhados por essa Fortaleza afora, parentes que nunca conheci. Naquele tempo isso era comum.

Era uma casa com sala de visita, 3 quartos, sala de jantar, terraço, cozinha e banheiro, que ficava no fundo do quintal.
Todos os cômodos eram conjugados com portas que abriam de um quarto para o outro e todos eram ladeados por um corredor com piso de tijolo.
Todos os dias a Titis molhava o piso para varrer. Isso para não levantar poeira. A casa não era forrada, exceto a sala de visitas e a alcova (quarto principal) e as telhas eram sustentadas por linhas e ripas de carnaúba.

As 5 da tarde meu avô sentava na cabeceira na mesa de jantar, que ficava num terraço conjugado à sala de jantar, e se servia de uma sopa regada com um vidro de leite de magnésia cheio de molho de pimenta. Acho que era por isso que ele era tão vermelho.
Tive pouca convivência com o Papí, ele era calado e vivia na sua, sem incomodar ninguém.
Um dia ele morreu, ai apareceram filhos que não conhecíamos querendo resgatar o corpo. O principal era um motorista de Taxi, muito grosso. A mamãe com medo cedeu e nuca mais vimos o Papí.

Vizinho a direita, morava o Raimundo Matos, irmão abastado deles, casado com a Núbia e pai da Valeska e Vladia. A Valeska, casada com o Eusélio Oliveira, era minha madrinha e me chamava de Piluquinha. Mulher bonita, mas temperamental. Lembro-me que quando eles brigavam ela quebrava toda a louça da casa. O Euselio era advogado, intelectual e temperamental tembém. Por isso era que não dava certo. Gostava do comunismo. Gostava de cinema. Gostava da boemia e me ajudava nas dissertações que eu fazia para o colégio. Sempre tirava 10 quando ele me ajudava. Uma delas, lembro-me, chamava-se o sino. Aprendi muito com ele. Convivi com ele até sua morte por assassinato.

Metrônomo Paquet
O vizinho à esquerda era o Dr. Plauto Benevides, casado com dona Madalena, filha da dona Branca que passava os dias sentada ao piano dando aulas. E eu ficava fascinado com aquele som que invadia a calçada e com o compasso do Metrônomo Paquet. Toc, toc,toc, e os alunos procuravam seguir aquele compasso sem erros. Era difícil.
O Dr. Plauto tinha 3 filhos: o Plauto Filho, a Lúcia Helena e a Solange.
O Plauto filho era meu colega de traquinagens. Conhecia todo mundo do quarteirão e me levava para o cinema no Rex. Seriado do Flash Gordon.

Fins de semana íamos jogar bila ou triangulo na casa do Maurício Leal, porque lá tinha um jardim muito grande e gramado, ou bola na casa do Abílio. Eram dois times, o Nuvoia e o Colônia. O meu era o Nuvoia.
Mas eu era desajeitado e muito magro e nunca tinha vez, só corria.
Tinha um caboclo que morava numa oficina de carro vizinho ao Maurício, que tinha o apelido de Grosso. O Grosso logo me colocou também o apelido de Tripila. E eu fui amofinando e não gostava mais de estar no meio. Era muito gozado pela minha magreza.

Depois da casa do Dr. Plauto tinha a casa do Alvaro Wayne, casado com a dona D. Maria José. A tardinha ela se arrumava toda, com o rosto cheio de pó de arroz e os lábios, já enrugados, pintados de batom vermelho. Ela vinha caminhando da sua casa, pela calçada, até a casa das minhas tias. Sentava numa cadeira de balanço de vime e a conversa ia até o fim da tarde, quando todas as famílias se recolhiam às suas casas. Entre 6 e 7 da noite todos já estavam dormindo para acordar no outro dia no romper da aurora.
D. Maria José tinha uma neta que era minha amiga. A Estezinha. Ela tocava piano e era meio intelectual. Pense numa criança intelectual? Mesmo assim íamos brincar na casa dela, que era a maior do quarteirão, com o Jabuti, que se arrastava pelo jardim ou sob os pés de sapoti.


Maracatu
No carnaval, a rua 24 de Maio era assaltada pelos blocos de Maracatus e eu, nos meus 5 a 7 anos corria com medo. Eles vinham, todos, com as caras pintadas de preto e isso era amedrontador para as crianças.
Vinham naquela batida lenta, num compasso batendo os pés no calçamento e tudo virava festa.

Flashes da minha infância que passou sem causar traumas.
Tudo era muito infantil e sem maldade. Tudo era muito inocente.
Depois que saí de lá, nunca mais voltei ao passado e todos estes fantasmas ficaram adormecidos.

Os tempos passam como o vento, ora sopra de um lado, ora do outro, e vai passando sem que nada os faça parar.



Alvaro de Oliveira Neto
21/12/2014

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