domingo, 24 de março de 2013

IMAGENS EM CONTRADIÇÃO


Cruzamento da Av. Barão de Studart com Av. Abolição (anos 50)


Delicio-me com as imagens que recebi do Carlos Juaçaba. Retratam os anos da minha infância, distante, não esquecida.
Quando eu ia pegar carretilha na praia dos Diários e jogar pelada na areia da praia!
Quando eu ia caçar passarinho no cajueiral onde hoje está erguido o Palácio da Abolição!
Quando eu ia soltar arraia no campo do América!
Tudo era tão calmo e belo no meu Meireles!

Interessante que lembro de detalhes da minha infância, como não lembro do que aconteceu ontem. O tempo não perdoa! E não perdoou também a ingênua paisagem que desmoronou com o câncer da intervenção urbana.
Tenho um grande amigo que está estudando, em profundidade, a arquitetura do medo nesta área. Fui buscar alguma informação e descobri que a Vila Johnson, obra de Oscar Niemeyer em Fortaleza, de 1942, já veio como uma fortificação indevassável, ostentando muro de pedra altíssimo.
Será que o rei da cera de carnaúba já tinha medo do seu em torno?
Pobres pescadores e prostitutas que lhe circundavam a casa. Em nada se comparam com as violentas gangs da modernidade.

Eu vivi aquele tempo e confesso que nunca vi nem ouvi falar em droga pesada. O mundo já tinha, mas não existia os meios de comunicação modernos e as notícias caminhavam lentamente. Nos vivíamos a nossa realidade simplesmente.
Nada de concreto armado, nada de cabos de fibra ótica, nada de asfalto cruzando todos os caminhos. Tudo era natureza na nossa Fortaleza que naquele tempo era realmente bela.

Contrapondo a beleza da fotografia que recebi do Carlos Juaçaba quero mostrar o que hoje existe no mesmo local.
Cruzamento da Av. Barão de Studart com Av. Abolição (2013)

Sem comentários!


Alvaro de Oliveira
Fortaleza, 24/03/2013

quinta-feira, 7 de março de 2013

O LAMENTO DO BEM-TE-VI

Fotografia e Arte: Kuarup Mawutzinin



Um símbolo da minha infância, o Bem-Te-Vi. Ícone cativo do tempo que se desfaz como vento sem rumo, sem canto a chegar.
Cantor de lamentos repetidos nas galhas do cajueiro nativo a encantar o primeiro ente cativo da beleza no seu passar.
Somente lamentos cantava e mesmo assim era muito lindo!
Era muito lindo desfrutar da pureza daquele pássaro que chorava a solidão, num repetido frasear, como o lamento do nordestino que chora como se tudo viesse a se perder, passar, secar no implacável Sol do meu Ceará.
Sem dó, sem Deus, sem liberdade, sem aconchega no coração. Canção lamento, que se repete sem cessar e compete com tudo o que desperta recordação.
Ontem o lamento fez-se presente no meu olhar, que ausente da folhagem verde do cajueiro, não viu o tempo passar contrastante com os pendúculos vermelhos; fez-me bater a emoção!
É lindo! É muito lindo! Uma gota de lágrima correu-me na face com a dor do Bem-Ti-Vi cantor, tentando contar no seu cantar, uma história de amor à natureza perdida no verde do cajueiral.
Perderam-se valores de uma eternidade que os olhares dos meus netos não mais vão desfrutar, nem seu corpo tocar, nem seu olfato sentir, nem seus ouvidos escutar.
Restaram somente telas anônimas, entrelaçando muros divisores, impregnados de mofo, uma prisão aberta, somente lembranças desertas, incompletas, uma oração quase perdida...




Alvaro de Oliveira
Fortaleza, 07/03/2013

domingo, 3 de março de 2013

GOTAS DE CRISTAL



Olhei pro céu e vi as estrelas!
Um manto negro, estrelado, insondável, infinito, a imagem da eternidade.
Tentei contá-las, impossível!
Incansável, me cansei e pensei na estrada que se alongava até o horizonte perdida na escuridão da noite. Somente a Lua ponteava a superfície lisa dos cactos na caatinga estéril.
Noite de lua é noite de céu limpo. Noite de Lua cheia é noite de caminho claro, de buscas, de abalos e sons discretos no mato. De calango que passa, mexendo com as folhas de cajueiro, secas, perdidas no chão. De corujinha que passeia em busca de caça, desgraça dos besourinhos, equilíbrio da natureza.
Abro meus braços e entro em prece. Umas infinidades de estrelas perecem, outras parecem olhos que perscrutam minha alma; acalma meu ser.
Acalmo!
Vejo a infinidade de estrelas e imagino o que se passa em cada uma delas.
Será que mentes, nestas gotas de cristal, também estão a pensar em mim?


Alvaro de Oliveira
Fortaleza, 03/03/2013